Poder Judiciário espanhol, vergonha internacional

*Por Flávio Carvalho

Se ainda era possível, nessa semana, a Espanha deu um salto mais profundo no baixo nível de descrédito vergonhoso diante de toda a comunidade internacional. Dois juízes da região de Navarra, considerada uma das mais conservadoras de todo o Reino da Espanha, decidiram uma pena leve para cinco jovens que acurralaram, violaram e gravaram todo o tipo de penetrações sexuais forçadas contra uma jovem, durante as festividades de San Fermín. Como se fosse pouco, um terceiro juiz votou ainda em contra dos dois demais. Por ele, os cinco jovens seriam absolvidos. A culpa de todo o ocorrido recairia, portanto, na opinião do magistrado, sobre a jovem violada, que em palavras do voto em separado, adotou atitude “passiva”.

Tal sentença provocou reações contrárias, protestos e manifestações massivas, em todo o país, em diversas cidades europeias, por diversas instituições e partidos de todas as ideologias, além de provocar reações indignadas da imensa maioria dos grandes meios de comunicação internacional.

A festa popular de San Fermin, em princípio dedicada a uma corrida de touros pelas ruas de Pamplona, ficou famosa internacionalmente graças ao escritor Ernest Hemingway. Com o tempo, sua imagem foi se degradando ao tornarem-se mais famosas as fotos humilhantes de assédio sexual em público, que deram origem a toda uma campanha pública de denúncia do machismo crescente.

No Brasil, situação semelhante de reação das autoridades públicas poderiam ser comparadas, resguardados os devidos contextos, à campanha “Nem com uma flor”, desenvolvida por organizações feministas durante o carnaval popular de Olinda. Denunciava-se a violência de gênero, acentuada durante o carnaval.

Na Espanha, os cinco jovens, incluindo um militar e um integrante da Guarda Civil, possuíam antecedentes de agressão machista e, por isso, seguiam pendentes de alguma acusação criminal. Ficaram conhecidos como La Manada, por assim haverem nomeado o grupo de Whatsapp que incitava às agressões machistas premeditadas, com requintes de crueldade e violência. Os dois que desenvolvem atividades de segurança pública seguem recebendo parte do salário, por não haverem sido punidos pelos superiores ou pelo governo que lhes paga o salário. Um terceiro, entre os cinco que estavam em prisão preventiva, engravidou a namorada, na primeira visita íntima à prisão. Seu caso encheu as páginas de todos os jornais e programas de televisão que se dedicam a este tipo de notícias sentimentais, muito comuns em todo o país.

O voto em separado do juiz, que lhe absolveria e será utilizado como arma preciosa pelo recurso anunciado pela defesa dos condenados (que se consideram inocentes), apenas condenaria este último pelo roubo do telefone celular da jovem violentada.

Para os três juízes, apesar de condenável em penas consideradas leves, a jovem não foi violentada. Ocorreu apenas um abuso sexual, com consentimento. Se houver jurisprudência, será ainda mais difícil ser mulher na Espanha. Cresce a sensação de estarem desprotegidas, num dos países europeus onde mais ocorrem assassinatos machistas.

Se há algo positivo em todo o ocorrido após a publicação da leve sentença é a incessante quantidade de mulheres que estão promovendo uma catarse coletiva e denunciando dezenas de abusos. Um ME TOO espanhol.

Por outro lado, a sentença do caso La Manada coincidiu com o anúncio do indiciamento judicial de um grupo de jovens bascos acusados do mais bárbaro terrorismo por haver participado de uma briga de bar. Do outro lado estava um par de Guardias Civis à paisana, de folga, que denunciaram acabar a briga com a camisa branca encharcada de sangue. No mesmo dia do depoimento, os juízes não aceitaram um vídeo como prova, onde a citada camisa apresentava-se em um branco impecável. Essa prova, se houvesse sido aceita, poderia livrar o grupo de jovens de uma condena de até mais de sessenta anos de prisão. Boa parte desses jovens possuem envolvimento político com movimentos sociais independentistas.

A Espanha mantém presos políticos independentistas catalães há mais de seis meses, isolados até mesmo de suas famílias e de seus filhos de até um ano de idade. Até mesmo a ONU e a ONG Anistia Internacional condenaram, com eufemismos, essas prisões. Também nesse caso, os juízes espanhóis foram ridicularizados por juízes da Bélgica, da Suiça, da Escócia e da Alemanha, que negaram extraditar e entregar os exilados políticos, que preferiram não entregar-se a essa justiça, alegando incapacidade de defesa, atropelo da presunção de inocência e comprometimento político por parte do poder judiciário. Em síntese, é cada vez mais evidente que não há separação de poderes no Reino da Espaha.

Artistas, palhaços, blogueiras, professores, centenas de prefeitos e vereadores independentistas, estão acusados pela justiça espanhola de haver cometido delitos de ódio, terrorismo, rebelião violenta e outros graves crimes. Em sua defesa, alegam ataque às suas liberdades de expressão.

A Espanha é o país europeu governado por um partido político com maior número de cargos públicos (mais de novecentos), acusados de corrupção. O número de presos desse mesmo partido, o Partido Popular, não chega a duas dezenas.

Flávio Carvalho é sociólogo (@1flaviocarvalho).

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