Questões sobre o voto das brasileiras no exterior

Por Flávio Carvalho*

Depois de seis anos diminuindo-se, já contamos mais quatro anos em que a população brasileira registrada na Catalunha não pára de crescer. Se chegamos a ser quase 30 mil em 2009, em plena crise econômica mundial, fomos aproximadamente 10 mil menos, em 2014. Certamente, a maioria retornou devido à crise. No ano passado, último ano em que os dados já estão todos contados, registraram-se 17.700. Como a tendência de crescimento é constante, nos últimos quatro anos, já devemos estar voltando a ser os quase 20 mil brasileiros na Catalunha, tal como éramos no ano interior à crise econômica de 2018. Desses, a maioria sempre foi do sexo feminino. Em 2017 havia 10.733 brasileiras na Catalunha (brasileiros, 6.969).
Segundo Teresa Sales, uma das pioneiras especialistas nos estudos sobre emigração brasileira, está saindo do Brasil, principalmente, um novo perfil de classe média alta. A violência urbana brasileira segue como um dos mais importantes fatores. Foge dela quem pode, na opinião de muitos especialistas. Não paro de informar-me sobre este assunto, presente há 14 anos na minha vida.
Mas hoje quero falar de votantes. Particularmente dos, aproximadamente, 5 mil brasileiros que transferiram seus títulos de eleitor para a jurisdição do Consulado-Geral do Brasil em Barcelona (não somente dos brasileiros na Catalunha e sim também das Ilhas Baleares, País Basco, Valencia, etc.). Os que aqui estão habilitados para votar.
Nas eleições pra Presidente do 7 de Outubro (brasileiros no exterior são obrigados a votar somente pra Presidente), quatro questões podem ser significativas.
Em primeiro lugar, com a tensão política da eleição polarizada entre os que consideram Lula um preso político (a maioria, somando-se os votos mais à esquerda) e os anti-petistas ou anti-lulistas, convertidos em apoiadores diretos e/ou indiretos de uma candidatura fascista (“queiram ou não queiram os juízes”, a candidatura do ex-militar defende claramente propostas ou posturas fascistas) é imensa a quantidade de “atrasados”. Brasileiros que somente agora, desesperados, descobriram ou lembraram que o prazo de transferência dos seus títulos foi até o dia 9 de maio passado. A estes, resta acessar a website dos consulados ou do próprio TSE e informar-se sobre como justificar a sua não votação.
Em segundo lugar, prevê-se, em minha opinião, igual que no ponto anterior (por mais informação pública sempre haverá pessoas reclamando de desinformação), considerável quantidade de pessoas na porta do Consulado, na última hora, equivocando-se de lugar de votação. Depois de décadas em que as eleições sempre se realizaram no órgão público da diplomacia brasileira, em Barcelona e em diversas cidades do mundo, transferiu-se o lugar de votação. Aqui na capital da Catalunha será num Centro Cívico, o Parc Sandaru. Fácilmente encontrável a qualquer googlejada.
Não serei o único a alimentar teorias conspiratorias (perigosíssimas, diante de um candidato que se diz representante das Forças Armadas e que disse, recentemente, que não aceitaria um resultado que não fosse ele o ganhador!) contra a justiça eleitoral brasileira – com todos os meus motivos pessoais em não confiar na justiça brasileira. Me refiro à notícia da imensa quantidade de milhões de títulos eleitorais cancelados por não haverem superado as novidades tecnológicas do cadastramento biométrico para o voto eletrônico. Mas sou obrigado a alertar que, embora legítimo (por menor que seja o número), a quantidade de eleitores brasileiros no exterior não será tão decisiva quanto nas eleições de países bem menores que o Brasil.

Nas eleições da Catalunha, por exemplo, é impressionante a movimentação cívica dos catalães votantes no exterior, que influenciam muito o processo dentro do que será esse novo país. Me preocupa muito mais (desculpem eleitores brasileiros no exterior como eu), a enorme quantidade de votos que um sistema eleitoral injusto, ao meu ver, deixará de contabilizar nas regiões mais pobres do país, como o Nordeste que eu bem conheço. Lá vivi e trabalhei, durante muitos anos, principalmente com essa população mais pobre (e miserável, infelizmente). E nem quero entrar no debate de fundo sobre a obrigatoriedade do voto, tão estranha para os que não são brasileiros.
Importante salientar que não defendo teorias conspiratórias contra votos de direita ou de esquerda, em igualdade de condições (principalmente sendo o voto secreto um direito; e um dever, ao mesmo tempo). Defendo todos os direitos de voto, independentes de suas cores partidárias. Ser coerente é defender que um votante diferente de mim tenha resguardados todos os seus direitos de votar.
O último e mais importante ponto é o estímulo positivo que tiveram os brasileiros no exterior que me dizem que nunca se interessaram tanto pela necessidade de votar, como agora. E à isso posso somar uma questão de gênero: como a maioria são mulheres (não somente na Catalunha, mas na emigração brasileira como um todo) e como muito se diz sobre que elas podem decidir essa eleição, graças ao discurso machista do candidato que defende abertamente a ditadura militar, faço uma previsão de que elas inundarão as urnas nesse domingo. Mais estimuladas que em outros anos?
Ando repetindo, por fim, um dito espanhol: “no hay mal que para el bien no venga”. Para alguma coisa haverá crescido esse novo fascismo brasileiro. Do seu ódio nascerão novas paixões. Oxalá seja um novo Brasil. Porque “diferente” não tenho dúvidas de que, aconteça o que aconteça, ele será.

*Flávio Carvalho é sociólogo e vive em Barcelona.

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