Viagem ao país do elenão na primeira semana do “ele”

*Por Flávio Carvalho

“A vida é a imitação de algo essencial, com o qual a arte nos põe em contato” ç

(Antonin Artaud)

Coincidiu minha chegada em Olinda com a posse do novo Presidente da República, na virada do ano. Contraditórios sentimentos (o Brasil será ainda, durante muitos anos, país de complementariedades; dualidade e ambiguidade weberianas) desde o embarque no avião da TAP. Um país dividido em diversas metades, se assim o pudesse definir. Fascinante, principalmente pra quem o sente ao longe, mais de oito mil quilômetros de distância. “Falar é fácil, Flávio”. “Venha pra cá”. Eu vim. Por meus próprios motivos. Melhor assim.

Qual a segunda coisa que farias, depois de estar com Mainha? Compartilhar. Que andas fazendo? Escrevivendo…  E onde se aprende isso? Com a vida. Mas tem gente que ajuda…

Uma Casa Azul, cheia de livros (um sebo) atravessou a minha frente. Aqui a resistência (antídoto, Maria) contra o protofascismo passa pela Práxis: ler e escrever; escrever e ler. Oficina Literária no Sebo Casa Azul? Claro que sim. Compartilhar. Lembra?! No coração da cidade que cresceu comigo. A Rua onde passei inesquecíveis momentos da vida, se chama Treze (número sugestivo; sorte, principalmente) de Maio, e em determinado momento ela emenda com outra de significativo nome: Amparo. Na casa da esquina, um mural com uma pintura iluminada pelo Farol: “Marielle vive”! Depois da Azul, um museu de teatro (do Mamulengo Só-Riso), outro de Arte Contemporânea, no que foi uma prisão de escravos. Pense na trágica redundância: a anti-liberdade plena é ser escravo e ainda estar dentro das grossas grades de ferro de uma prisão. Na Rua Treze de Maio. Ai, Isabel! Só podia ser em uma cidade que fez de adjetivo, de elogio, o seu próprio nome: Linda.

Olinda é uma cidade pra ser lida.

Em Barcelona livros seguiram cruzando minhas vivências. Nunca na minha vida, mais que no Brasil, eu havia escutado tanto falar-se de Paulo Freire e de Augusto Boal (e do poeta João Cabral). Não existiria o Teatro do Oprimido sem a Pedagogia do Oprimido. Nada há (não há nada!) sem poesia. Não havia melhor forma que o Teatro (Sindical), na minha juventude, para comunicar-se sobre a nossa resistência social. Não existiria Teatro em uma cidade patrimônio cultural da humanidade se não fosse um grupo com um nome estranho, em castelhano… Vivencial Diversiones (assim mesmo, em espanhol). De onde veio isso? Arrabal! Um doido espanhol espalhando o Teatro do Absurdo (Antonin Artaud) pela América Latina, começando por… Olinda! Pura diversão. Diversiones. Teatro de Resistência – palavra da moda, por aqui.

Aprendendo a não gostar do que não me diverte.

Eis aqui outra Oficina. Compartilhar. Lembra?! Teatro, Literatura, Criatividade… Pra que mais? Que mais querer?

Que cidade do mundo pode desfrutar do privilégio de um Teatro que já nasce com o nome de Bonsucesso?

Olinda é somente uma das 5.570 cidades que nesse meu texto somente pretende contextualizar o que eu mais encontrei, por aqui, nessa primeira semana desse primeiro ano bolsonariano. Do conflito de esperanças (sim, ele pode existir e existe!) nascerá um novo país. Se será o seu ou o meu, não importa. Navegar é preciso; viver não é preciso.

Quem descobriu o Brasil não foi o português. Foi um poeta pernambucano chamado João Cabral.

Flávio Carvalho, sociólogo. Autor de Paraula (Palavra, em catalão).

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