Veredicto inconfiável

Agencia de risco

Por Cesar Vanucci *

“Por qual razão as agências de risco esqueceram-se de dar
notas aos responsáveis pelo tsunami financeiro de 2008?
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Esse rebaixamento da nota de crédito do Brasil, de vários Estados e de um punhado de importantes organizações empresariais dá o que pensar. Oferece esplêndida chance para elucidativos comentários a respeito de “meia dúzia de seis ou sete revelações relevantes”. Registros que costumam, teimosamente, ficar de fora do noticiário de cada dia.

A maioria dos viventes não dispõe, compreensivelmente, de informações suficientes sobre o que rola no pedaço. Mas, dos muitos cidadãos que têm amplo conhecimento das coisas, boa parte finge não saber, ou se esquiva, por motivos nem sempre aceitáveis eticamente, de mencioná-las quando a questão vem à balha.

A legitimidade das “agências de classificação de riscos” é universalmente questionada pelas lideranças mais lúcidas do pensamento humanístico. Seria instrutivo que a mídia procurasse se inteirar do que o Papa Francisco pensa a respeito. Uma interrogação perturbadora irrompe, impetuosamente, no espírito dos estudiosos das questões econômicas e sociais: que poder superior (divino ou super-humano) confere a tais agências as prerrogativas de saírem por aí ditando regras a respeito do comportamento de países inteiros, de complexos produtivos comprometidos com a construção humana, econômica e social?

Por que, para certos setores – como se insinua em suspeitosas manifestações midiáticas –, as pontuações desses órgãos soam como versões de éditos imperiais típicos dos tempos medievais?

Por que são propagadas como dogmas fundamentalistas de fé, a serem acatados por multidões resignadas, sem choro nem vela? Por que são alardeadas como “verdades intocáveis”? “Verdades” das quais meros mortais não podem, terminantemente, discordar, sob pena de castigo vindo do alto, ou pelo temor de serem indigitados, em doutos círculos, como cidadãos de terceira classe intelectual?

A “infalibilidade” das pontuações não passa de mito, astuciosamente sustentado por facções neoliberalistas atendendo a conveniências da megaespeculação no mundo dos negócios. A inamissível supervalorização dos “ratings” parece perseguir o objetivo de criar em determinados momentos e áreas, clima de “Deus nos acuda” conflitante com os autênticos interesses das sociedades alvejadas.

A credibilidade da “pontuação” é colocada em xeque permanentemente. Muitas as situações comprobatórias de que as agências se deixam emaranhar em ataques especulativos de dramáticos efeitos. O exemplo mais loquaz é de setembro de 2008. Nenhuma delas antecipou, diagnosticou, emitiu tempestivo alerta sobre o tsunami à vista. O banco de investimento “Lehman Brothers”, junto com numerosos “parceiros”, recebeu grau máximo de investimento em avaliação da “Standard&Poor’s” (a mesma que acaba de rebaixar as notas brasileiras), pouquíssimos dias antes do formidando estrondo financeiro que sacudiu o mundo. Seja lembrado que esse banco desempenhou papel de realce no enredo da desestruturante crise.

Já agora mesmo, por razões que a razão desconhece, o manjado sistema de “classificação de riscos” mantém-se mudo e quedo que nem penedo em relação aos problemas seríssimos que afligem países da comunidade europeia. Nada de olvidar que vários deles se veem às voltas com endividamentos bem acima dos valores do PIB.

De outro lado, a alegação de que o “rebaixamento” concernente ao Brasil significou uma reação ao anúncio, realmente indesejável e criticável, do déficit orçamentário nas contas, torna oportuna a lembrança de episódio ocorrido em 2011 envolvendo a mesma “agência” e o Governo estadunidense. Reagindo, também, como dito na época, a um anúncio de déficit no orçamento, o órgão classificador reduziu a nota dos EUA. O governo Obama, a mídia, as lideranças do país não deram, como é lógico supor, atenção desmesurada e sensacionalista ao fato. O “rombo” nas finanças já era alto em 2009: 1.4 trilhão de dólares. Caiu um tanto em 2010: 1.3 trilhão de dólares. O valor manteve-se inalterado em 2011, quando do “rebaixamento da nota”. Caiu um pouco mais em 2012: 1.1 trilhão de dólares. Chegou em 2013 a 680 bilhões de dólares e, em 2014, a 492 bilhões de dólares, como fruto de bom trabalho de recuperação levado a cabo pelo governo.

A conclusão a extrair do que está dito é uma só: nota de “agência de risco” não passa mesmo de um simples registro de uma “agência de risco”. Nada além disso. Trata-se de um dado a mais no conjunto de elementos informativos enfeixados para formulação de uma política de diretrizes políticas, econômicas e sociais. Não merece ser enxergada com óculos do doutor Pangloss, como sentença fatal, inapelável, condenatória de uma Nação inteira. Sobretudo de uma Nação com a dimensão da nossa. O acatamento pleno do “veredicto” de que tudo está perdido só faria algum sentido se nos deixássemos contaminar, desavisada e inconscientemente, por um complexo de viralatice derrotista irremediável. O Brasil e suas sólidas instituições, conscientes dos graves desafios a confrontar na busca por um país melhor, pairam acima, muito acima, dessas reações de origens nada confiáveis.

* O jornalista Cesar Vanucci (cantonius1@yahoo.com.br) é colaborador do Blog Mundo Afora

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