Aqui: ruim, mas pode piorar. Lá: tutto andrà bene… Diário de Viagem #5: Crônicas entre Recife – Barcelona, abril 2020

*Por Flávio Carvalho

Mas, tão certo quanto o erro de ser barco a motor e insistir em usar os remos, é o mal que a água faz quando se afoga; e o salva-vidas não está lá porque não vemos…, Renato Russo.

Tragicamente interrompida, há viagens que ficam pela metade.

O Brasil, por exemplo, está assim. E o pior é que pode piorar.

Quando o povo começa a debater quem substituiria o Presidente, ou o Ministro da Saúde, num país com mais de duzentos milhões de habitantes, alguma coisa anda muito (muito!) errada.

O grande problema não é que estejamos nessa situação. Sim, estamos. Nem que o mundo esteja em crise. Sim, está. O pior é que exatamente nessa hora, mesmo quem votou no Bolsonaro, sabe que o mundo desconfia tanto ou mais dele quanto a proporção de mais da metade de todo o povo brasileiro – que já não somente desconfia, mas que já pensa ou começa a pensar que a melhor solução desse momento seria o Presidente “sair da frente”.

Quem diria… Derrubado por um inimigo invisível.

No avião, ao voltar urgente à Espanha, ninguém mais lê jornais. Pra quem gosta de sociologizar durante voos, um mundo de comparações ressalta as distâncias imensas entre a forma de relacionar-se com uma pandemia por parte das autoridades de um e do outro país. Podem chegar a ser exatamente opostas, a forma como dois sócios comerciais como o Brasil e a Espanha enfrentam a mesma crise mundial provocada por um mesmo vírus? Sim, lamento. Mas pode. Depende daquele “pequeno detalhe” na hora de votar: quem estará à frente das importantíssimas decisões de governo.

O primeiro deputado a contaminar-se, na Espanha, foi de um partido de ultradireita; negacionista de umas quantas evidências científicas. O primeiro caso de confinamento de toda uma cidade, na Catalunha, parece ser “importado” pelos viajantes de um congresso (em Milão) de industriais de produção de bolsas e sapatos de couro. Os primeiros vinte e dois casos mortais mais polêmicos nos Estados Unidos foram de uma igreja evangélica que ofereceu um antídoto único e despreocupado: havia que confiar-se apenas em um suposto milagre dos céus. 

No hospital público, no Brasil, assisti de perto a tomada de decisão por parte da chefa da equipe médica que decidiu que minha mãe já não voltaria – sob nenhuma hipótese – para uma UTI que estava atuando no limite de suas possibilidades. Hoje, em toda a Europa, as atenções estão muito voltadas para o código deontológico da medicina: a decisão nas mãos das equipes de médicos, negando-se por ética e decisão própria ao papel de heróis atribuídos pela maioria dos grandes meios de comunicação.

Tutto andrà bene. Tudo acabará bem. Amigos preocupam-se e demandam notícias nossas. Mais do que a nossa própria capacidade de responder e agradecer. Só nos resta ficar em casa. E isso não é pouco.

Ficar em casa só pode ser produtivo: ou programar, estritamente, o que fazer; ou aceitar o privilegiado desafio de, aparentemente, não fazer nada. Redescobrir o ócio criativo, os jogos em família, a arte do essencial, o reaprender a cozinhar – com pouco, economia de subsistência.

Mas, no Brasil, país do mais rico banqueiro do mundo, um youtubber assessor financeiro orienta, sem escrúpulos e sem vergonha: como ganhar ainda mais dinheiro nessa crise. Não se trata de somente ganhar dinheiro. As palavras “ainda mais” são muito importantes pra ele.

Deve haver um universo paralelo onde os ignorantes ainda não se deram conta do grande mal que podem fazer à humanidade. Não seria tão tarde se não fosse que o mal não é o que nos cai em cima.

Como se, de repente, toda uma sociedade parasse para pensar onde se aplica o dinheiro. Aliás, de onde vem o dinheiro? E começasse a fazer contas. E chegasse à conclusão de que “somente” os bilhões de um único banqueiro brasileiro, poderiam sustentar a economia da imensa maioria mais pobre durante seis meses. Matemática? Não; política.

Procura-se um líder. E o pior, pra todos nós, é que se lhe paga muito bem – por não fazer nada; ou por fazer exatamente o contrário do recomendado pelos especialistas de maior prestígio mundial.

Tudo acabará bem, afinal.

Flávio Carvalho é sociólogo

cbrasilcatalunya@gmail.com

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