Socialistas espanhóis voam com Lula. Decolarão no Aeroporto do Recife com Bolsonaro?

Flávio Carvalho

*Por Flávio Carvalho

“Passarim quis pousar, não deu, voou. Porque o tiro feriu mas não matou. Passarinho, me conta então, me diz: Por que que eu também não fui feliz?” (Passarim, de Tom Jobim, que virou nome de aeroporto).

Dois fatos políticos intrigantes relacionaram o início desta semana entre o Brasil e a Espanha.

A semana começou com vídeo de Lula no Congresso do Partido Socialista Obrero Español, que de socialista só ostenta o nome e que de Obrero (Operário) já conta muito pouco. Lula elogiou o socialismo e até mesmo o ecologismo do PSOE.

Pedro Sánchez, presidente da Espanha, não esquece que foi o primeiro político europeu a deixar-se fotografar com um cartaz Lula Livre, naquela época que Sergio Moro ainda enganava milhões de brasileiros (e boa parte da imprensa internacional, como o famoso jornal espanhol, o El País). Sánchez também não esquece que o Brasil é destino prioritário das grandes empresas espanholas, que ganham bilhões de lucros importantes em tempos de crise – animando a lucrar mais no Brasil do que na própria Espanha, como no caso da empresa espanhola Telefônica, entre muitas outras: Telefónica alcanza en Brasil una rentabilidad similar a la de España, del 42%

Faz tempo que os “socialistas” espanhóis abraçaram os grandes empresários do seu país, oscilando entre o “socialismo de mercado” (o PSOE) e os herdeiros indiretos de Franco (o Partido Popular, o PP). Tocando os calcanhares do PP está a crescente ameaça dos aliados de Bolsonaro na Espanha: VOX, o partido fascista (disfarçadamente ainda, como era Bolsonaro, antes de ser eleito e assumir-se cada vez pior: como admirador do nazismo).

A novidade nos jornais pernambucanos de hoje é a decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (a ANAC, dirigida por bolsonaristas que tiveram suas indicações políticas questionadas até mesmo pela Polícia Federal). A ANAC emitiu, nesta mesma semana, uma nota pública que proíbe a operadora do Aeroporto do Recife, a AENA, de seguir operando normalmente e ampliando a ânsia lucrativa de abrir novos voos comerciais. Pode ler-se aqui: ANAC proíbe aumento de voos comerciais em Maceió e Recife.

Ao custo público de quê e de que cargas de insegurança para a população que utiliza (os ricos que voam) ou que depende (os miseráveis das favelas vizinhas) deste aeroporto, na capital de Pernambuco?

A nota, como tudo no bolsonarismo, é obscura, disfarçada, e esconde o principal: proíbe ampliar o número de voos, mas só tem coragem de esclarecer que a pintura das pistas de voo precisa ser refeita urgentemente. Parece piada, mas não é. Bolsonarismo puro.

O detalhe, que desconhecem os pernambucanos (e que estamos denunciando há tempos, com nossos artigos aqui no Mundo Afora), é que a gestão “socialista” – sim, o principal dirigente da AENA, Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea, é o político acomodado pelo governo de Pedro Sánchez, o também socialista Maurici Lucena – foi alvo da maior e mais recente onda de protesto da cidadania, movimentos sociais e ONGs, na área metropolitana de Barcelona.

A mesma AENA que quer ampliar o lucro com mais voos (negociados em Pernambuco com o desgoverno Bolsonaro) é aquela que, na Espanha, tentou comprar, com a ampliação do aeroporto de Barcelona, a negociação do governo catalão para aprovação do orçamento público do Governo de Pedro Sánchez.

Se deu mal. Os protestos derrotaram até mesmo o lobby empresarial que se esconde detrás do principal grande jornal de Barcelona, o La Vanguardia – cujo proprietário é um aristrocrático Conde Monarquista.

Encontrou de cara um movimento ecologista, incluindo o Greenpeace, que denunciou publicamente: o governo “socialista” quer aumentar os voos, aumentando o aeroporto de Barcelona, e passando por cima (destruindo!) o entorno natural protegido de La Ricarda: um paraíso ecológico vizinho do aeroporto. Foi momentaneamente barrado o ávido projeto de aumentar o problema do barulho e da insegurança que historicamente incomoda os moradores vizinhos ao Aeroport del Prat – o aeroporto de Barcelona, controlado pela AENA, e que está entre os cinco que já mais cresceram em toda a Europa.

Haveria a mesma capacidade de resposta por parte dos movimentos sociais, ONGs e da cidadania ativa no Estado de Pernambuco?

Resumo da ópera: o governo socialista de Sánchez aplaude (além de ser aplaudido) por Lula, e respalda, ao mesmo tempo, a expansão capitalista do aeroporto do Estado onde Lula nasceu, numa trama articulada com o desgoverno Bolsonaro.

Não é só um probleminha de pintura de pista. A questão é de estrutura. Socialista? Capitalista.

Em Barcelona… Ecologista!

Aquele abraço.

*Flávio Carvalho é sociólogo e escritor

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